Caminhava descontraído e feliz, o vento agradável e frio
daquela tarde de Novembro lhe pareciam tão agradável, a ponto de relaxar até
seus pensamentos. Tirou seus chinelos e resolveu caminhar descalço na areia, sentir
a areia salobra e gelada serpenteando entre os dedos dos pés lhe fez sorrir.
Não sabia se eram cócegas ou alegria, caminhou brandamente, fechando levemente
os olhos, para aumentar ainda mais aquela sensação corporal tão agradável.
Caminhou até atrás de uma enorme pedra, sentiu por um
momento que parecia que a luz do dia havia ficado mais fraca, parecia que uma
nuvem naquele momento havia se prostrado frente ao sol.
Toda a atenção que João estava dando a luminosidade do sol
foi transferida para um crucifixo fincado na areia. Um crucifixo cromado de prata,
que possuía alguns desenhos sacros. Algo muito resplandecente, com certeza
seria uma peça de grande valor. João agarrou a parte de cima do crucifixo e
tentou puxar, parecia que ele estava preso na areia, foi forçando cada vez mais,
fazendo tanta força a ponto de enrubescer sua face e fazê-lo fincar os dentes superiores no lábio inferior.
Toda aquela força pareceu valer a pena, pois o crucifixo felizmente saiu da
areia, fazendo por fim João encher os pulmões de oxigênio, feliz por ter
conseguido tirar o objeto depois de tanto esforço.
Olhou admirado aquela obra de arte, vendo sua face refletida
na reverberante prata, foi naquele momento que sentiu seu corpo ficando cada
vez mais leve, como se estivesse entrando em um sonho. Suas pálpebras estavam
cada vez mais pesadas e seus pensamentos iam se esvaindo, como se ele estivesse
entrando em um sonho. Foi como se de um segundo para outro João percebesse que
naquele momento ele já estava deitado na areia e seus olhos praticamente
fechando, sem que ele tivesse domínio dos mesmos.
Pouco a pouco João sentiu-se flutuando, como se seu corpo
fosse um balão inflado a gás hélio e que sem controle fosse subindo cada vez
mais em direção as nuvens. João não tinha controle mais de si mesmo, imaginava
que tudo aquilo era um sonho, apenas via que seu corpo, ou seu espírito –
naquele momento já aceitava isto como hipótese- ia em direção a uma nuvem. Uma
nuvem estranha, mais parecia um algodão, pois parecia consistente. Sem ter sua
aparência natural nefelóide.
Sentiu que aos poucos ficava de pé, sobre aquela misteriosa
nuvem, frente a um homem completamente estranho, uma figura alta e magra, que
era dotada de uma palidez quase que sobrenatural. Olhou para aquele ser
estranho e viu que tinha cabelos compridos e negros, seus olhos eram grandes,
tão grandes que ele podia ver o brilho esverdeado e quase que hipnotizante da
menina de seus olhos, um verde que se tornava avermelhado a medida que aquele
ser ou aquela pessoa se movia. Ele estava usando uma manta branca, tão branca que
se algum leigo olhasse o confundiria com uma nuvem. Olhou para baixo e viu que
a nuvem que estava se encontrava sobre a praia que ele horas antes caminhava, e
que lá em baixo estava ele, deitado e desmaiado sobre a areia, pensou naquele
momento que tinha morrido.
O Ser se moveu para próximo de João e mesmo com medo João
resolveu lhe perguntar:
- Quem é você, onde estamos?
O homem apenas olhou para ele com um olhar, firme, algo que
transparecia força... ou raiva.
Após um silêncio perturbador o homem da nuvem resolveu responder:
- Meu nome é Dod, estou aqui para que cumpras a missão pela
qual vieste a este mundo.
João assustado e sem entender deixou o ser prosseguir.
O Olhar do ser, ou melhor Dod, pareceu ficar ainda mais
forte e pesado sobre ele.
- Desculpa, senhor Dod, como assim?
- Tu vieste a este mundo, para trazer a cura e uma mensagem
de amor, precisamos trabalhar juntos, para que cumpras tua missão. Através de
você a cura e os milagres tornar-se-ão direito de todos os homens deste mundo,
sua mensagem será poderosa e tu serás muito próspero e bem sucedido, junto a um
grupo poderoso.
De toda a mensagem a ultima pareceu chamar-lhe mais a
atenção, imaginou-se saindo da atual situação em que se encontrava. Estranho,
mas parecia que Dod podia...
Sem deixar que João terminasse seu raciocínio Dod lhe
respondeu:
- Sim, João, eu posso ler seus pensamentos e preciso de uma
resposta rápida, preciso de seu sim, mas antes deves saber que iremos agir
juntos, durante duas semanas incorporarei em você e realizarei curas e
milagres, após estas duas semanas passarei a possuí-lo, três vezes por semana,
e será quando começaremos a passar nossa mensagem, estarás consciente de tudo,
mas seu corpo será guiado por mim, terás domínio somente de teus pensamentos. Preciso
que me digas sim, que aceite seu compromisso.
João parecia nem estar ouvindo quando ele falava do que
teria que fazer, apenas estava pensando no quanto seria importante, o quanto
faria diferença, e agora sem pestanejar João respondeu um sonoro: SIM!
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Após aquele dia, tudo o que Dod havia dito ocorreu, ele me
possuiu e trouxe cura e sim uma mensagem, uma mensagem completamente contrária
as coisas boas que ele me prometeu.
Não sei se deve ter percebido, mas sim eu sou João, e estou
aqui escrevendo pela ultima vez como eu mesmo.
Desde aquele maldito sim, consegui toda a riqueza que jamais
imaginei ter, mas perdi a mim mesmo, perdi minha alma, hoje Dod possui meu
corpo a hora que ele quer e faz o que lhe apraz. Sofro, pois mesmo sendo eu,
não consigo controlar nada do que faço. Dod incorpora com outro, nome que ele
não me permite revelar, Dod criou uma igreja e hoje enriquece a muitos, com sua
mensagem de puro egoísmo.
Vi Dod fazer coisas horríveis incorporado em mim, a policia
não consegue nunca pegá-lo pois ele consegue ir de um lugar a outro de forma inexplicável,
e nunca existem provas contra ele, mas do que adiantaria? Como querer que ele
seja preso, sendo que quem vai preso mesmo sem culpa, serei eu? Vivo tudo isso, consciente, dentro deste que
um dia já foi meu corpo, não imaginas como é ser prisioneiro dentro de si
mesmo.
Dod é um espírito parasita, vive para fazer o mal e se
alimenta do sofrimento alheio, através de nosso livre arbítrio ele consegue domínio
quase que total da pessoa, até conseguir fazer todo mal que deseja, depois que me destruir ele parte para outro
corpo. Eu o libertei a partir do momento em que retirei da areia aquele
crucifixo, não vi, mas ele estava fincado em um crânio, o crânio da ultima
pessoa que ele matou, não vi o crânio, pois o mesmo estava sob a areia.
Hoje ele me revelou que será o ultimo dia que poderei usar
meu corpo, hoje a meia noite ele irá incorporar perenemente e eu ficarei aqui,
consciente e vendo tudo, mas sem poder fazer nada, um eterno prisioneiro dentro
de mim mesmo.
Tomem cuidado, não revelarei o grupo ou a “igreja” que Dod
tem, só lhe digo, ele trouxe outros espíritos parasitas, e é através da vontade
de cada um que eles obtém o livre acesso e destroem o que um dia foi sua vida.
Despeço-me com dor no que um dia foi meu coração e espero que ninguém nunca
deixe que seu lado bom caia nas mãos de um parasita...
João (nome fictício)
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